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segunda-feira, 4 de abril de 2011

Alenquer: região pioneira das dúvidas sobre a televisão digital

Helena, de 38 anos, não está preparada para a TDT
Nos últimos 40 anos, dos 91 que está prestes a completar, Joaquina liga sempre o mesmo televisor. As quatro décadas de utilização intensiva, alimentada a programas "de fazer rir e chorar", notam-se. Estamos a falar de um daqueles modelos clássicos, encastrados em madeira, com botões de rodar e uma definição duvidosa. A marca apagou-se com o tempo, do plástico e da memória.
A cena passa-se em Alenquer, a primeira zona onde o sinal analógico vai desaparecer, dando lugar à Televisão Digital Terrestre (TDT). Daqui a menos de mês e meio, quem não tiver um televisor compatível ou um descodificar ficará, simplesmente, sem canais. Joaquina fica incrédula com essa possibilidade. Apesar de estar no centro desta revolução, não faz a mais pequena ideia do que está prestes a acontecer.
Não é a única. O sector e o Governo têm alertado para a eventualidade de uma parte da população, como os idosos e as famílias carenciadas, não estar preparada para a introdução da TDT. E, por isso, foram planeadas, pela Portugal Telecom (que ganhou a licença) e pelo próprio regulador, acções de divulgação destas mudanças, impostas pela União Europeia, com o prazo-limite fixado até 2012.
A migração chegou a estar planeada para 2009, mas foi adiada, depois de uma polémica relacionada como a TDT paga, que não chegou a avançar, na sequência de um conflito entre a PT e os suecos da Airplus (os dois candidatos). Na versão gratuita, que vai arrancar agora, a operadora nacional foi a única a concorrer, apropriando-se da rede e obtendo sinergias na cobertura do país e na articulação de serviços.
Tal como Joaquina, que vive sozinha em Alenquer, há muitos outros casos de desconhecimento total da extinção do sinal analógico e das suas consequências, seja na forma como se assiste à televisão, seja nos passos a dar e no dinheiro a investir para acompanhar esta transformação. Apenas as pessoas que têm acesso aos canais nacionais, e não são subscritoras de televisão paga, vão ser apanhadas pelo "apagão". E a vaga será repartida no tempo e no território, sendo que a partir de 26 de Abril do próximo ano todo o país estará já em versão TDT.
1,5 milhões afectados
Na parte histórica de Alenquer, a pouca distância da casa de Joaquina, há uma família que também ainda não se preparou para o digital. Neste caso, não foi propriamente o desconhecimento, mas sim as dúvidas que refrearam a adaptação. "Dizem que é preciso um televisor novo e um aparelho qualquer que pode custar 200 euros. Dizem tanta coisa e não se percebe o que é mentira e o que é verdade", desabafa Helena, de 38 anos.
Desde que a PT ganhou a licença, no final de 2008, na sequência de um concurso público lançado pela Anacom, a revolução tem vindo a ser preparada, mas a informação não chega a todos, pelo menos, não de uma forma rigorosa, apesar de se estimar que 1,5 milhões de lares vão ser afectados pela migração. Num encontro recente com jornalistas, Eduardo Cardadeiro, administrador da Anacom, sublinhou que "o que as pessoas têm de fazer é simples", mas admitiu que "têm de ter informação", referindo, uma vez mais, as preocupações com "as pessoas idosas, os reformados e as famílias carenciadas".
No fundo, para ter acesso à TDT é preciso um televisor compatível com o sinal digital ou um descodificador, que converta o sinal analógico. Se se optar por este, o gasto pode variar entre 35 e 200 euros, dependendo do grau de sofisticação do aparelho. No final do processo, quando o "apagão" se concretizar, fica-se com melhor qualidade de imagem nos canais nacionais e a possibilidade de fazer pausa ou gravação de programas.
Já há uma campanha a decorrer na televisão sobre a TDT, que será seguida de mais acções no terreno, nomeadamente sessões de esclarecimento de técnicos e das populações. Alenquer, Nazaré e Cacém, as zonas escolhidas, por vantagens técnicas, para protagonizarem os testes-piloto, terão direito a um acompanhamento mais próximo, difícil de concretizar quando o analógico desaparecer, por completo, de todo o território.
Pressões e fiscalização
Nessa altura, Maria de Lurdes, que vive numa das aldeias de Alenquer, já passaria a ter acesso à TDT, uma vez que, para já, a experiência naquela zona não vai apanhar o Fiandal, onde residem menos de 100 pessoas. Porém, quando o digital invadir a rua, não estará no grupo de pessoas a dispor do sinal. Isto porque, na semana passada, no dia em que a Anacom fez a sessão de esclarecimentos no concelho, já tinha subscrito um serviço de televisão paga - o que a retira do lote de afectados pelo "apagão". É uma tendência que se tem verificado, assumiu Cardadeiro, reconhecendo que "pode haver operadores de televisão a pressionar" as pessoas, ameaçando-as com a eventualidade de ficarem sem canais, quando a TDT avançar. A Anacom já requisitou, aliás, a fiscalização da ASAE.
Na rua onde Maria de Lurdes mora, outras pessoas decidiram subscrever serviços, um mercado em crescimento, disputado pela Zon e pela PT, através da Meo. Isto porque, como estão mergulhados num vale, fazem parte dos 13 por cento de território que a PT diz que ainda não são cobertos pelo sinal digital. E é esse o argumento que as empresas utilizam para os pressionar.
No entanto, está previsto, na proposta com que a operadora de telecomunicações ganhou, que todas as zonas do país vão ter acesso à TDT. É da responsabilidade da PT assegurar essa condição, encontrando alternativas para os casos de má recepção do sinal. "Basta que as pessoas entrem em contacto com o apoio a clientes e peçam a vinda de um técnico", esclareceu o administrador da Anacom.
A aquisição dos descodificadores pode ser apoiada, desde que os requerentes cumpram um dos seguintes requisitos: receberem o Rendimento Social de Inserção, uma reforma inferior a 500 euros ou terem deficiência com grau de incapacidade de, pelo menos, 60 por cento. Nestes casos, a PT tem de assegurar uma comparticipação de 50 por cento do preço dos aparelhos. A empresa reservou mais de dez milhões de euros para cumprir esta obrigação.
O "apagão" está em contagem decrescente, mas nem todos estão preparados para a revolução que aí vem. Os próprios técnicos do sector queixam-se de informação "confusa". Enquanto instalava a televisão paga na casa de Maria de Lurdes (que vai passar a gastar dez euros por mês no serviço, quando, com a TDT, não teria esse custo), Manuel Pereira, que trabalha com vários operadores, acusa o sector de "querer ganhar clientes sem informar" e avisa que o caso desta mulher "é apenas um de muitos".

Fonte: "PÚBLICO"

 

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