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domingo, 7 de agosto de 2011

JOÃO MACHADO «Agricultura tornou-se um sector de esperança para o País»

João Machado lidera a CAP desde 1999
O alenquerense João Machado, presidente da CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal, desde 1999, diz que o sector agrícola pode dar “um grande contributo ao País” no abastecimento substituindo as importações, ajudando assim Portugal a enfrentar uma grave crise que considera ter como responsáveis “os portugueses e os governos dos últimos anos, mas também com uma quota-parte bastante grande a União Europeia”. 
Em entrevista ao Nova Verdade, João Machado, de 54 anos, natural de Abrigada, onde continua ainda hoje a residir, traça uma análise do “momento delicado” que Portugal vive, apontando os contributos que a agricultura, enquanto “sector de esperança para o País”, pode oferecer. Aborda a expectativa que a CAP tem em relação ao novo Governo e à nova ministra da Agricultura, Assunção Cristas, defendendo ainda a adaptação e flexibilização da legislação laboral a um sector que se debate com “um problema de quase total ausência de mão-de-obra”. 
Sem rodeios, aceita também revelar o seu olhar sobre Alenquer e o seu concelho, defendendo a definição de uma nova estratégia, pós-aeroporto da Ota, por parte do município. Mostra-se favorável à fusão de freguesias e, perante o fim da era de construção em massa, aponta a necessidade premente de uma redefinição do modelo de financiamento dos municípios. Define os sectores agrícolas nos quais o concelho deve apostar claramente: viticultura, hortofrutícola e florestal. E adverte para a necessidade de combater o abandono das terras, sobretudo no Alto Concelho e na zona mais litoral, com um emparcelamento das pequenas propriedades.

Está há vários anos na presidência da CAP, tem portanto uma visão panorâmica privilegiada do País, e particularmente do sector agrícola. Que análise é que faz do momento que Portugal está a viver, com um olhar natural e mais estreito sobre a agricultura?
– Nós estamos a viver momentos muito delicados em Portugal. Podemos dizer que em parte todos nós portugueses e os governos do nosso País nos últimos anos tiveram responsabilidade nesta matéria, mas há também uma parte de responsabilidade bastante grande da política europeia e daquilo que tem sido a maneira como este assunto das crises soberanas tem sido conduzido na Europa desde a crise de 2008 nos Estados Unidos. Há de facto aqui, no nosso entender, uma quota-parte bastante grande de responsabilidade da maneira como a União Europeia tem tratado esta matéria, deixando que o mercado e os operadores do mercado ataquem países mais fracos como Portugal e a Grécia, e agora está-se a ver que esse é o caminho errado, porque eles já passaram dos países mais fracos – Portugal, Grécia e Irlanda – para países mais fortes como a Espanha e a Itália, o que vem demonstrar que a União Europeia devia ter olhado para esta matéria como um todo, sobretudo no conjunto de países da união económica e monetária; não o fazendo correu este risco que agora vai ter que corrigir. Mas a situação, de facto, é muito preocupante para o nosso País e nós temos que a atacar de frente e com grande coragem, sob pena de não conseguirmos vencer esta crise. Como é que a agricultura se porta em tudo isto? A agricultura é um sector primário privilegiado porque produz bens transaccionáveis essenciais e de primeira necessidade, que podem ser consumidos em Portugal e lá fora. Isso quer dizer que a agricultura pode exportar mais e pode-se substituir importações, e portanto nessa matéria é um sector extremamente relevante para poder ajudar o País e para podermos sair da crise, assim como para ajudar as contas do défice e para criar mais emprego. E é por isso que tantos responsáveis políticos – do Governo ao próprio Presidente da Republica, até às oposições – têm vindo a falar da agricultura como um sector fundamental neste momento. Pena é que durante tantos anos a agricultura tenha sido relegada para segundo plano, privilegiando os governos sucessivamente a terciarização da economia, o que nós achamos que foi um erro. Parece-me que neste momento o olhar dos políticos vai nesse sentido, mas resta saber se nós temos neste momento em Portugal os meios necessários para podermos ajudar a agricultura a desenvolver-se, já que quando tínhamos essa possibilidade não quisemos e não privilegiámos este sector, e portanto agora os agricultores têm muito mais dificuldades em investir, em aceder ao crédito e em aceder aos fundos comunitários, porque tudo isto está em causa.

(...) Virando o olhar para Alenquer, que naturalmente conhece bem, que análise é que faz do estado do concelho, comparativamente com o País, e recordo que recentemente houve um jornal inglês que equiparou a realidade local com o todo nacional, sendo que essa comparação acabou por chocar alguns políticos locais?
– Eu acho que o concelho de Alenquer tem particularidades que são muito positivas e tem tido ao longo dos últimos anos algumas vicissitudes que impediram o seu desenvolvimento. Em primeiro lugar a questão do aeroporto, que estagnou durante uma década o concelho e a própria agricultura. Nós estivemos à espera que acontecesse uma coisa que afinal de contas não aconteceu. Todos os outros se desenvolveram à volta e nós ficámos parados no tempo. Perdemos tempo e agora tendo que recuperar esse tempo numa altura de crise é muito mais difícil do que numa altura de crescimento económico que foi o que aconteceu aos concelhos vizinhos – veja-se por exemplo a Azambuja, que teve um desenvolvimento enorme. Tem esse aspecto bastante negativo e que agora custa a ultrapassar, tendo no entanto aspectos muito positivos que me parece é a sua proximidade a Lisboa e à costa, e sobretudo as suas belezas naturais e o seu enquadramento. Alenquer é um concelho muito bonito e com muita história, é um concelho com muitas particularidades e julgo que nós deveríamos tirar mais partido disso; se calhar deveríamos fazer uma reflexão – e eu próprio me penalizo por eventualmente não ter dado todos os contributos que poderia dar – para termos um desenvolvimento integrado e estratégico do concelho. E talvez pudéssemos apontar em determinados sentidos e fazer todos força nesse sentido. Se calhar em Alenquer, que apostou durante demasiado tempo num desenvolvimento que tinha a ver com o aeroporto e que tinha a ver com construção e empresas, deveríamos ter hoje uma nova estratégia, talvez diferente, talvez até que nos traga mais qualidade de vida e que nos traga mais pessoas a quererem viver aqui por causa dessa qualidade de vida. Do ponto de vista agrícola, Alenquer tem tido investimentos muito importantes, porque posicionou-se dentro da região demarcada de Lisboa como uma região produtora de vinhos de qualidade com inúmeras quintas a produzirem vinho e os vinhos de Alenquer são conhecidos e já ultrapassaram em muito até as fronteiras do próprio País. Depois para além disso temos um conjunto de quintas com história e também temos um conjunto de monumentos que é invulgar nalguns concelhos com esta dimensão. Eu acho que nós temos aqui potencialidades que pudéssemos desenvolver todos em conjunto e acho que Alenquer estando tão perto de Lisboa pode cativar turismo ou visitas de muito curto prazo e esse poderia ser um desenvolvimento importante. Esse é um trabalho em que a Câmara de Alenquer tem que pensar e tem que assumir em termos de estratégia. A verdade é que quando hoje olhamos para o concelho todos nós temos um amargo de boca por constatarmos que não acompanhámos o desenvolvimento dos outros concelhos limítrofes e que nos deixámos atrasar inexoravelmente, e que apesar de já nos terem levantado essas restrições que tínhamos há uns anos atrás, ainda não encontrámos um caminho conjunto, em que todos tivéssemos a mesma estratégia. Deveríamos pensar nisso de uma maneira integrada e ainda não o fizemos.

Deverá ser essa a primeira preocupação do município, definir uma estratégia em concertação com a sociedade civil do concelho?
– Eu acho que se nós não tivermos uma estratégia de todo o concelho – e a câmara tem uma primeira responsabilidade aqui – não teremos desenvolvimento. Teremos sempre desenvolvimento pontual, desta empresa ou daquela outra que se sediam aqui em Alenquer – e temos empresas muito importantes na área da agricultura mas também noutras áreas –, agora não temos um eixo comum de desenvolvimento. Aliás, poderia até haver incentivos de vária ordem, da câmara, nomeadamente a nível de aligeiramento de burocracias, que pudessem incentivar desenvolvimento económico e criação de emprego nesses eixos que fossem estratégicos. Parece-me que a câmara aqui tem um papel fundamental, de liderança, nesta matéria.

Leia a entrevista na íntegra na última edição do "Nova Verdade"


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