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domingo, 11 de março de 2012

Uma página negra na história de Alenquer


Da antiga fortaleza restam alguns panos de muralha
e a Porta da Conceição
Muitas pessoas questionam-se porque é que Alenquer, ao contrário de outras localidades contemporâneas da fundação da nacionalidade, não preservou o seu castelo, que o nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques, conquistou aos mouros em 1148. Poucos sabem, mas a explicação para tal facto remonta a 1385, quando D. João I subiu ao trono e mandou destruir parcialmente a fortaleza, como retaliação pelo apoio incondicional que o alcaide-mor de Alenquer, Vasco Pires de Camões, na crise da sucessão gerada pela morte de D. Fernando, tinha dado à causa castelhana. A vergonha recaiu então sobre a população, que viu a torre de menagem e parte das muralhas serem destruídas, naquela que foi, talvez, a página mais negra da história da vila.
Depois da morte de D. Fernando, a 22 de Outubro de 1383, uma grave questão sobre a sucessão no trono se colocou ao reino português, tendo em conta que existia a ameaça de o monarca espanhol, D. João de Castela, reclamar o trono por via de estar casado com D. Beatriz (filha de D. Fernando e D. Leonor). Ainda em vida, D. Fernando tinha doado a vila e seu castelo à sua esposa D. Leonor Teles, o que veio a constituir a causa de várias lutas que decorreram em Alenquer durante a Guerra da Independência, sequente à morte do monarca.
Após a revolução de Lisboa de 1383, que pôs no governo do país o Mestre de Avis, D. Leonor Teles refugiou-se na sua vila de Alenquer e daqui pediu acção bélica ao seu genro, o rei de Castela, contra os rebeldes portugueses. Quando se deu a invasão castelhana e chegando o rei invasor às cercanias da vila, o alcaide-mor de Alenquer, o galego Vasco Pires de Camões (trisavô de Luís de Camões), que lhe havia jurado fidelidade, saiu ao seu encontro e entregou-lhe o castelo. Reza a história que o povo, já na posse de determinadas garantias do Mestre de Avis, não se submeteu a tal acto e ajudou as forças nacionais, deslocadas a partir de duas galés pelo Tejo, a atacar o castelo, mas sem êxito. A vila foi saqueada e mais fortemente ocupada pelos invasores castelhanos.
Quando as forças afectas ao regente do reino tomaram, por fim, após prolongado cerco, a vila de Alenquer, em 10 de Dezembro de 1384, D. João I mandou derrubar os cunhais da muralha do castelo, como castigo por o alcaide da vila ter tomado o partido de sua cunhada D. Leonor Teles. “O facto de D. João I lhe ter mandado retirar os cunhais, que são a força das paredes, foi determinante na degradação da muralha, que era uma das mais importantes praças-fortes da região imediatamente a Norte de Lisboa. No fundo, houve não só uma despromoção, envergonhando a vila, por ter tomado um partido diferente do dele, como também enfraqueceu, efectivamente, a fortaleza, de modo que esta não mais pudesse resistir”, sublinha o historiador Filipe Rogeiro, director do Museu Hipólito Cabaço, apontando o “simbolismo” da ordem de demolição ordenada pelo soberano.  
Mas a retaliação de D. João I não se ficou pela destruição parcial do castelo. “Em 1385 (7 de Setembro), depois da tomada de poder, este monarca, querendo fazer ‘graça e mercê’ à cidade de Lisboa pela posição que tomara a seu favor contra o partido de D. Leonor Teles, decidiu integrar Alenquer, com ‘todos seus termos e aldeias’, no termo de Lisboa, castigando, assim, a vila por ter levantado pendão a favor da rainha. "Não se conhece a data exacta em que Alenquer deixou de estar debaixo da alçada de Lisboa”, como relata João Pedro Ferro na sua obra “Alenquer Medieval (Séculos XII-XV)”. 
O castelo alenquerense entraria em definitiva decadência a partir da crise de sucessão de 1580, gerada pela morte de D. Sebastião na batalha de Alcácer Quibir, tendo também aqui o alcaide da vila abraçado o lado errado da História (neste caso o partido de D. António, prior do Crato). A velha, e noutros tempos inexpugnável, fortaleza viu a sua cisterna atulhada e não voltou a ser reconstruída. Passou a ser utilizada como pedreira e, no século XIX, foi a própria autarquia a determinar a demolição de algumas parcelas. 
Em 1940, a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais demoliu a capela por cima da Porta de Nossa Senhora da Conceição e procedeu ao restauro de parte da muralha, mas o processo ficou inacabado, assim permanecendo até hoje. Do castelo restam, assim, alguns panos de muralha, a Porta da Conceição e a bizarra Torre da Couraça, que até há poucos anos esteve encimada por uma casa do século XIX que entretanto ficou em ruínas. 

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