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sexta-feira, 5 de novembro de 2010

«Há fortes hipóteses de Camões ter nascido em Alenquer»

Sabe-se que o maior poeta português, Luís Vaz de Camões, nasceu em lugar incerto, provavelmente Lisboa, em 1524 ou 1525, mas a vila de Alenquer, mais do que as cidades de Coimbra e Santarém, tem fortes argumentos para disputar com a capital as pretensões acerca da sua naturalidade. Esta é a convicção do historiador Filipe Rogeiro, director do Museu Hipólito Cabaço, que tem dedicado horas incontáveis de estudo a investigar esta tese, que remonta, pelo menos, à primeira metade do século XVII, quando foi mencionada por Manuel de Faria e Sousa (1590–1649), autor de uns “Comentários dos Lusíadas”, tendo sido reforçada, em 1758, pelo pároco de Alenquer ao incluir na lista dos ilustres naturais do concelho o nome de Luís de Camões.
Quase todos os dados biográficos de Camões têm um carácter incerto, dada a quase inexistência de documentos coevos relativos ao poeta. É por conseguinte duvidosa a naturalidade do autor de Os Lusíadas e, citando Guilherme João Carlos Henriques (Alemquer e seu Concelho, edição de 1873), Filipe Rogeiro sublinha que “embora não haja elementos para provar que Camões nasceu aqui, também os elementos para provar o contrário são apenas conjecturas”.

Entre as razões que deram origem à pretensão de Alenquer, o historiador destaca dois factos incontornáveis: “Vasco Pires de Camões, terceiro avô do poeta, fora governador da vila e do Castelo de Alenquer e parentes do poeta – de um ramo afastado do tronco Camões – tiveram uma propriedade perto de Alenquer, que ainda no século XVIII era conhecida como Quinta de Camões. Esta quinta era, muito provavelmente, a Quinta da Ferraguda, junto da Guisandaria, a poucos quilómetros da vila, que em meados do século XVI ainda servia de residência a uma prima co-irmã de Antão Vaz, avô paterno de Luís de Camões”.

Por outro lado, “o poeta mostra, por duas vezes, nas suas obras, uma certa predilecção pela vila de Alenquer; uma é n’Os Lusíadas – ‘Alanquer por onde soa/o tom das frescas águas entre as pedras,/que murmurando lava’, e a outra no Soneto C (ou CIII em algumas edições) – ‘Criou-me Portugal na verde, e cara/Pátria minha Alenquer’, acentua Filipe Rogeiro que cita palavras de José Hermano Saraiva para demonstrar que “nenhuma outra localidade [como Alenquer] é recordada em Os Lusíadas em termos tão enternecidos”.
O director do Museu Hipólito Cabaço aponta, ainda, outros argumentos que sustentam, de algum modo, a tese de que Alenquer terá sido mesmo a terra natal de Luís de Camões. “Nos documentos oficiais conhecidos a mãe do poeta aparece como Ana de Sá. Mas para os primeiros biógrafos de Camões (Mariz, Severim) ela aparece como Ana de Macedo ‘mulher nobre de Santarém’ ou ‘dos Macedos de Santarém’. Ora, estes Macedos de Santarém foram o tronco de uns Macedos de Alenquer, que já aqui viviam por volta de 1480”, sustenta. A outro nível, Filipe Rogeiro lembra que, “quando esteve na Índia, Camões escreveu uma carta em que diz ‘vivo aqui mais venerado que os touros da Merceana’, sendo certo que naquela época só um natural do concelho, que tivesse visitado a Casa da Senhora da Piedade, rezado à pequenina imagem, venerada na Merciana e escutado a narração do aparecimento da Virgem ao boi Massano, se lembraria na Índia dos privilégios dos toiros da Merciana e de aludir a eles em circunstâncias da sua vida”. Mais do que isso, reforça o historiador, “Camões conheceu e relacionou-se com os Noronhas, donatários de Vila Verde dos Francos, pois, terminando essa carta da Índia, diz o poeta: ‘Por agora não mais que este soneto que aqui vai, que fiz à morte de D. António de Noronha, vos mando em sinal de quanto ela me pesou’”.
Na opinião de Filipe Rogeiro, das outras três localidades que disputam a naturalidade de Camões, “só Lisboa pode ser vista, eventualmente, num plano igual ou superior a Alenquer, em termos de fundamentação, apenas por uma questão de pudor e rigor históricos”. De qualquer modo, há uma dúvida que o historiador assume não ter: “Tenha ou não o poeta nascido aqui, há uma grande certeza a considerar, que é a ligação estreita que Camões (man)teve com Alenquer; ele teve cá família e terá passado aqui uma parte substancial da infância”.
Confessando que a sua investigação sobre a tese do nascimento alenquerense do autor de Os Lusíadas “encontra-se neste momento numa encruzilhada difícil de ultrapassar, por falta de novas pistas”, Filipe Rogeiro defende que Alenquer devia assumir de uma forma mais explicita  a sua, incontestável, ligação com o nosso maior poeta.  “Alenquer podia orgulhar-se um dia de ter aquela estrofe d’Os Lusíadas que lhe é dedicada gravada numa pedra junto ao rio, ou ali no jardim das Águas ter um busto de Camões… Seria, pelo menos, uma evocação daquilo que ele escreveu sobre a vila”, sugere a concluir.

Perfil

Filipe Soares Rogeiro, Historiador

Nasceu em Lisboa, há 36 anos, tendo vindo residir para Alenquer com apenas quatro dias. Frequentou os estudos básicos e secundários na Vila Presépio. Licenciou-se em história. Técnico superior da Câmara Municipal de Alenquer, assumiu, em 1999, o cargo de director do Museu Hipólito Cabaço, que continua a desempenhar. É autor da obra “Alenquer desaparecida”, com fotografias das décadas de trinta e quarenta da colecção de Graciano Troni (Arruda Ed., 2002).

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